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Berlinguer: vencedor ou vencido?

Biagio De Giovanni - Outubro 2015
 



1. Não é fácil iniciar um debate sobre Enrico Berlinguer. Para tentar fazê-lo, é preciso passar por diferentes camadas de sua personalidade, não é possível identificá-lo só com a função política que teve na sociedade italiana e como secretário do PCI, ainda que naturalmente seja preciso dedicar a ela a atenção principal. Ficariam de fora traços muito pessoais, e as contas poderiam não fechar na definição mesma de um juízo político e, sobretudo, na compreensão de certas razões de suas escolhas. Basta pensar no fato de que nenhum outro dirigente do velho PCI (que teve tantos, e carismáticos, a começar pelo próprio Togliatti) pôde conquistar uma dimensão "universal" na consciência dos italianos, como a que se consolidou em torno de Berlinguer. A imagem conta, e para a mencionada dimensão contribuiu, antes de tudo, a expressividade e o "recorte" de sua face, destituída de toda prolixidade, uma face cinzelada, superposta a um corpo frágil, o todo capaz de fornecer a realidade - filtrada através da imagem - de um asceta político (que oxímoro!), uma pessoa que parecia propensa a carregar dores e sofrimentos do mundo e, quem sabe, a tentar dar-lhes resposta, eu diria, com todo o seu ser.

Rapidamente descrito, era este um traço austero (palavra fatal, veremos) que Berlinguer conseguia suavizar com uma pitada de ironia que às vezes parecia dirigida também a si mesmo, e aquele aspecto frágil e um tanto atormentado se resolvia, para os outros, numa personalidade certamente introvertida e possivelmente um pouco sombria, mas íntima, familiar, suave; único, neste sentido, entre os "grandes" do PCI. Para fazer só um paralelo, Togliatti era carismático, mas distante; a pequena figura de Berlinguer entrou no imaginário de milhões de italianos (muitos de modo algum "comunistas") por uma espécie de respeito afetuoso que só sua pessoa suscitava, e ninguém se surpreendeu quando Roberto Benigni o pegou nos braços e o levantou por alguns instantes. Giorgio Amendola, por causa da compleição física, mas certamente não só por isso, Togliatti, pelo efeito... reverencial que inspirava, não poderiam ter encorajado um tal abraço. 

2. É um começo um pouco longínquo, mas talvez menos do que pode parecer, e nestes seus traços pessoais ainda podemos nos deter por um momento para constatar o quanto sua comunicação política estava como que envolvida por eles e neles resolvida: uma comunicação enxuta, severa, sem nenhum toque de retórica, a política sempre considerada no fio que a une e a distingue da ética. E sua morte parece assim como algo marcado pelo destino, em Pádua, naquele 1984, quando a língua começou a tropeçar no momento em que, concluindo o comício, saudava os "companheiros" e os exortava ao esforço final. Tudo isso fazia pensar em algo bem distante do temperamento predominante nas personalidades políticas italianas, dava o sentido de uma política que brotava não de si mesma - nem de uma escolha hiper-realista nem de outra, por assim dizer, de pura filosofia da história - e sim de uma inspiração ética. Como se suas raízes (e aquelas em que se baseava a escolha de Berlinguer) devessem ser buscadas não nos grandes cenários da história e, sim, em algumas verdades próprias dos estratos mais elementares da vida social, a partir das vidas atribuladas dos camponeses do Sulcis [Sardenha] ou dos operários de Mirafiori [Turim]. Mas, certamente, estes contrastes e conflitos, que viveu diretamente desde o início da juventude, levaram-no à radicalização política da crítica e à observação dos grandes cenários do mundo. Em resumo, no quadro das respostas a estas realidades, partícipes de uma humanidade maltratada, nascia a necessidade de considerar, com uma convicção que permaneceu inalterada até o fim, "outra" sociedade, produzida por vicissitudes que originalmente nasceram, no juízo de Berlinguer, precisamente para levar os excluídos à cena histórica. Um forte elemento ético estava na base de uma escolha histórico-política, mas esta escolha histórico-política adquiriu autonomia própria e condicionou tudo. O ano de 1917 dividira a história do mundo num antes e num depois. Um ponto firme, do qual não se afastou nunca. 

3. Aqui deve ser ressaltado um elemento que quero expressar com grande nitidez: Berlinguer foi até o final um comunista convicto. Até mais do que Togliatti (se é que tal paralelo, assim referido, pode se sustentar), cuja culta inclinação historicista, e de realismo político, fazia com que entrevisse cenários mais maleáveis e complexos: por um lado, Togliatti era personagem de grande relevo da III Internacional stalinista (mais do que "comunista"); por outro, tinha mais percepção da complexidade da cultura ocidental e talvez fosse mais capaz de perceber o sentido de uma crise irreversível do mundo comunista já nos últimos anos de sua vida. Afirmo esta tese com plena convicção: tudo o que disse sobre a solidez do temperamento de Berlinguer se tornava clareza e quase simplicidade de uma escolha de campo, certamente atormentada nos últimos anos por dúvidas provenientes de sua sincera consciência democrática, que, no entanto, jamais foi genuína consciência liberal. E os elementos que estou prestes a recordar nunca cancelaram o que adquirira como traço fundamental e quase primordial de sua escolha: estar do lado do "campo socialista". 

4. Quem pensa de modo diferente pode aduzir muitos elementos em contrário: já na segunda metade dos anos setenta, Berlinguer expressou, em rápida sucessão, severas críticas ao ordenamento dos estados socialistas: forte referência à autonomia das escolhas políticas do PCI; intervenção no XXV Congresso do PCUS, em fevereiro de 1976, que lhe valeu uma frieza incomum de tratamento; a célebre entrevista sobre a Otan, sempre em 1976; a afirmação do valor universal da democracia e muito mais coisas que aqui não teria espaço para lembrar. Tudo bastante importante para um juízo de conjunto sobre sua ação política. Mas, se estes elementos e fatos, seguramente fundamentados, pretendem ser a evidência de interpretações de sua saída da escolha original, então não, isso precisamente é o que não existe. Comunista, quase no sentido pré-político desta expressão, entendida como representação substancial dos excluídos da história, que exatamente por esta exclusão podiam ser considerados como "diversos", e dirigidos por uma classe política "diversa", por princípio imunizados contra as degenerações da sociedade capitalista, sustentados por um duro antagonismo ético e por uma correspondente vontade de transformação política. A diversidade comunista, que Berlinguer várias vezes afirmou, não nascia de nenhuma soberba, mas, antes, da interiorização daquele dado fundamental ora sublinhado, que devia levar a subtrair-se às leis de uma sociedade cujos elementos degenerativos e involutivos Berlinguer sempre sublinhou. O ponto estabelecido era este, e veremos as consequências sobre suas escolhas concretas.

A citação direta de seu pensamento vale mais do que qualquer comentário. Em 1974, em Bruxelas, lançando a proposta do eurocomunismo, disse: "Basta observar a carta geográfica para avaliar o imenso alcance da existência, neste nosso continente, de toda uma série de estados socialistas a partir do Elba em direção ao Leste e ao Sul, os quais conseguem, graças a sua estrutura econômica e social, levar adiante sua experiência através da pesquisa, da superação das dificuldades, da obra de renovação até mesmo no momento em que todo o mundo capitalista se vê às voltas com dificuldades que testemunham os limites atingidos pelo desenvolvimento de que o capitalismo é capaz". É um texto emblemático, e não de ocasião, que poderia ser multiplicado. Nele é recorrente o critério de uma análise constante, que deve ser interpretada, a meu ver, como o fundamento de tudo. Sua perspectiva é anticapitalista, no sentido original deste elemento fundacional, e o é a ponto de remetê-lo à camada mais elementar da visão comunista sobre um capitalismo que esgotou sua capacidade de inovação e só deve assistir ao próprio declínio. Diante desta previsão, assumida como horizonte de tudo, deviam ser postas em campo as forças adequadas e moduladas as escolhas possíveis. Um capitalismo chegado "a seus limites", mas isso, deve-se dizer, na véspera da maior revolução capitalista de todos os tempos, seja qual for o juízo que dela se queira dar: um capitalismo capaz de destruir seus próprios limites e, com a revolução tecnológica, mudar os arranjos do mundo. Uma leitura do capitalismo, a berlingueriana, encerrada nos esquemas mais clássicos da tradição comunista e que poderia parecer singularmente desatenta a aspectos fundamentais do próprio pensamento de Gramsci, a que certamente Togliatti se mostrou bem mais sensível. 

5. Esta contraposição não pretende ser impiedosa, não tenho a intenção de enrijecer este aspecto da reflexão. Mas mantenho a opinião de que todo o trajeto de Berlinguer (e as escolhas de que falarei daqui a pouco) esteve marcado por aquele formidável condicionamento que o levava a ver a história do mundo dividida definitivamente por um evento e, também, a manter, sobre tal base, a rigidez de uma escolha ética, mais ainda do que política, resistindo a qualquer desmentido ou dura réplica da história. E aqui acrescento uma reflexão, certamente a ser discutida: talvez este seu apego sólido e firme às origens, a 1917, para dizer claramente, expressasse a consciência de que o PCI, em última análise, não podia separar-se daquela data, mesmo que corretamente interpretada, e de que a renúncia a tal relação também implicaria a conclusão de toda uma história da esquerda italiana. E Berlinguer, então, não via de modo algum as razões iminentes. Pelo contrário! Sua utopia, antes, era unir o que a história do mundo dividira, mas unir o mundo na vitória do ideal socialista. Muita coisa até mesmo do Berlinguer mais "italiano" pode ser lido sob esta luz, a partir do "compromisso histórico". 

6. Pelas razões indicadas, sua batalha política "no interior da" história do movimento operário e socialista se desenvolveu em duas frentes: contra as degenerações do sistema soviético, com a constante referência às ideias de atraso e insuficiência em relação a um modelo ideal, a uma ideia-força que estava originalmente bem colocada, daí seu "leninismo" muitas vezes confirmado, ainda que - certamente - corrigido, mas nunca além de determinado ponto; e contra as perspectivas do reformismo social-democrata, independentemente do caráter que assumisse, a não ser que fosse tendencial subalternidade à tradição comunista. Quando Craxi venceu a batalha no PSI, a coisa estimulou mais ainda a hostilidade do secretário do PCI precisamente porque a "origem" se via submetida ao mais duro dos ataques. Portanto, uma dupla frente de luta, contra as degenerações autoritárias soviéticas em prol de uma (utópica) visão democrático-comunista, o ponto de vista que o levara, em 1977, à invenção do eurocomunismo; e contra o reformismo social-democrata, porque sua ideia central sempre fora a de ultrapassar os limites da democracia liberal e/ou socialista. Berlinguer tinha fascínio pela ideia de uma ultrademocracia dos iguais, mas nem por isso devemos subestimar seu realismo de dirigente político, de secretário de um grande partido de massas, e a pergunta é: qual a relação do tecido concreto de suas propostas políticas com esta posição fundamental?

7. Aqui se chega a Berlinguer secretário político de um partido de massas como o PCI, vivo no interior da sociedade italiana, portador de política concreta, de participação indireta no governo da Itália, e deve-se observar com atenção para ver como aquele fundamento essencial por mim posto no centro de sua escolha também tenha estado, ou não, na base das escolhas políticas que em cada circunstância eram definidas, e neste ponto é preciso clareza. Tal fundamento para mim é decisivo, desempenhou sempre um papel de perspectiva, mas não sectário, não à moda do PCF, para esclarecer as coisas. Com Berlinguer o PCI alcançou o máximo de seu apoio eleitoral. Por quê? Como se comportou sua convicção básica diante da dinâmica política de uma estratégia concreta? Desde logo, deve-se dizer que o temperamento de Berlinguer sempre o colocará diante de escolhas que, em seu núcleo duro, participavam dos tormentos históricos da sociedade italiana. O rigorismo comunista de Berlinguer não pretendia ser sectário, minoritário. 

A proposta de compromisso histórico - verdadeira expressão de sua personalidade - foi formulada, bem se sabe, na esteira da tragédia chilena, mas, mais amplamente, da irrupção do terrorismo na Itália, da confusão geracional e política pós-1968, da crise energética, em suma, de um momento da história, não só italiana, que parecia à beira de uma grande crise. As coisas devem ser compreendidas em seu contexto. Mas, mesmo compreendidas naquele contexto, elas não pareciam ter o futuro consigo. Baseavam-se em elementos essencialmente conservadores das grandes estruturas, que afastavam para o futuro distante os elementos de transformação crítica que já permeavam os partidos de massas e a sociedade pós-1968, sua vontade de libertação, a irrupção nova dos direitos civis, o abalo das firmezas militantes, o tom de um novo liberalismo de massa, possivelmente oculto pelo hiperideologismo de alguns movimentos extremos. 

No terreno da política geral, só a utopia de uma democratização "comunista" do sistema soviético podia fazer imaginar uma participação do PCI no governo da Itália; só uma representação da coesão valorativa do "mundo católico" podia levar a sonhar com um encontro cada vez mais envolvente "com aqueles movimentos e tendências de católicos que, em número crescente, colocam-se no âmbito do movimento dos trabalhadores e se orientam em sentido nitidamente anticapitalista e anti-imperialista", ênfases que pretendiam dar o tom ao encontro entre dois mundos. E nisso pesava a oscilação da leitura do "compromisso", entre um acordo de base já em parte hegemonizado pelos comunistas e um acordo de governo com a DC: um nó nunca resolvido e talvez não passível de resolução, dado o contexto cultural ambivalente em que Berlinguer apresentou a própria estratégia. E dada, talvez, a ideia de que o movimento comunista, sendo o portador do futuro, antes ou depois iria vencer a partida, com uma vitória capaz de incorporar o melhor da identidade do adversário. 

Naturalmente, coisa diversa é considerar os efeitos imediatos de tal proposta. Inegavelmente, ela contribuiu para a defesa da democracia italiana e colocou o PCI num espaço político que nunca tivera. E dizer isso não é dizer pouco. Mas, observando o tema com a distância que hoje é possível (e talvez também com o juízo retrospectivo, sobre o qual se deve tentar ter cautela), a falta de perspectiva estratégica estava um pouco nas coisas e já se entreviam, entre tantas outras coisas, as linhas novas que atravessavam o mundo católico e sua relação com a política.

8. E mais: a austeridade enunciada por Berlinguer em 1977, no discurso do Teatro Eliseo [Roma]. Evitemos comparações, que também foram feitas, com a atualidade. Não nos limitemos à assonância, senão o domínio das meras palavras torna tudo abstrato. A austeridade proclamada no Eliseo foi nitidamente anticapitalista, contra a irrupção da sociedade de consumo e individualismos conexos. E, se acentuava temas que hoje certamente retornam, isso não deve impedir que se observe sua inspiração de então e seus efeitos naquele contexto: inspiração que estava toda, ou quase, na oposição entre um tipo de sociedade, secularizada e consumista, e a imagem de uma sociedade regulada, que naqueles anos não podia deixar de se assemelhar a sociedades que viviam outra experiência no outro lado da Europa. Hoje, a austeridade, em chave inteiramente diversa, é pregada sobretudo pela direita de governo europeia e pelos equilíbrios do capital financeiro. 

Por fim, a "questão moral", que irrompeu no debate italiano com a célebre entrevista em La Repubblica, promovida por Eugenio Scalfari em 1981. Também aqui se assiste às lamentações de muitos que recordam sua capacidade de antecipar uma "questão", chamada pela primeira vez com tal nome. É bem compreensível que uma difusa sensibilidade diga: Berlinguer viu corretamente, viu a irrupção da corrupção nos partidos e fulminou-a com palavras de fogo que deixaram estupefatos velhos dirigentes de extração bastante mais togliattiana, como Alessandro Natta e Giorgio Napolitano, o segundo dos quais veio a campo precisamente contra o que lhe pareceu um potencial abalo do cenário político, uma espécie de retirada da política concreta. Sobre o tema ninguém quer negar a Berlinguer capacidade de visão e desafiadora coragem política: é o reconhecimento da qualidade de um líder. Mas reflitamos um momento. Apresentada assim, naqueles anos, como crítica aos partidos italianos (menos o PCI, diverso: os demais, todos ou quase, indicados como bandos e clientelas de poder que ocupavam o Estado) e com simultâneo reconhecimento das reformas executadas pelo partido polonês, contribuiu seja para interromper o diálogo político, seja para preparar as condições (mentais, diria) de abalos radicais que, anulando o sistema italiano, escancariam as portas para outra história e, quase, para uma sociedade sem partidos. Em resumo, uma crítica impiedosa, uma pequena mexida destinada a acelerar inconscientemente a destruição dos partidos de massa? E precisamente da parte de Berlinguer? Talvez tenha sido exatamente isso. Naturalmente, com o acréscimo dos eventos amadurecidos no fatal 1989, que ele não podia prever.

9. Luzes e sombras, pois, se entrelaçam na ação de um político que permanece na história da Itália. Difícil estabelecer um ponto de equilíbrio. A Itália lhe deve muito nos anos da emergência [da luta antiterrorista], seria inútil e estúpido esquecê-lo, mas certamente inútil é isolar suas escolhas dos contextos que, para um político, são obviamente decisivos. Mas insisti no fato de que uma parte de sua personalidade e de sua cultura estavam vinculados a um mundo que se dissolveria velozmente, sem deixar de si verdadeiro traço, e que nos anos oitenta já se encaminhava visivelmente para o epílogo. Refiro-me ao mundo do socialismo real, mas não só: também a questão católica foi vista por Berlinguer quando suas características tradicionais já estavam se obscurecendo, e isso não foi compreendido por ele. Mas aqui há uma continuidade interna da história do PCI, de Togliatti a Berlinguer, a obsessão pela questão católica, uma continuidade que impediu ao conjunto daquele partido inserir na própria história os elementos mais fecundos de um liberalismo laico; e a Berlinguer, em particular, sondar com convicção não suspeitosa a relação política com a outra parte da esquerda italiana que dera início a outra história e que, por sua vez, foi enfraquecida pelas incompreensões recíprocas.

10. O mundo a que Berlinguer pertencia, com profunda e sólida convicção ético-política, desapareceu da cena da história. Reitero que a permanência de um laço com aquele mundo não constituiu uma espécie de núcleo duro berlingueriano, ainda que ele o mantivesse firme independentemente de qualquer consciência atenta de suas degenerações e, mais do que outros, o reafirmasse com um tom assertivo que não era de todos. Estava esculpido, aquele mundo, na própria história do PCI, dava o sentido de um percurso histórico, de uma escolha em torno da qual milhões de homens haviam empenhado a própria vida, amontoando-se nas linhas de tensão e divisão da história do século XX. Com o fim da URSS, chegava a seu termo também uma parte fundamental da história da esquerda italiana, e nenhuma antiga e eficaz reivindicação de autonomia podia substituir a morte do pai. Assim, seu desaparecimento só podia ser enfrentado com um novo início, que, no entanto, a meu ver, não coube à história do PD nem de suas várias evoluções, a partir de 1992, uma vez que só podia ser interpretado por outras classes dirigentes e literalmente, diria, por uma nova geração. Terminado aquele mundo, a história da esquerda italiana estava destinada unicamente a uma refundação, não a uma reconstrução através da síntese de duas culturas derrotadas e por parte dos mesmos homens que desta derrota foram os protagonistas. Hoje se está trabalhando de modo eficaz numa descontinuidade efetiva. Veremos, estamos só no começo.

11. Naturalmente, nenhuma direção política que marcou um tempo morre de todo,tal como nenhuma época desaparece sem deixar traços de si. Não se trata hoje de bloquear a crítica aos paradoxos do capitalismo por causa do trágico fracasso do comunismo; ou de aceitar o ritmo de desigualdades crescentes; não se trata de negar a crise da democracia política, mesmo vencedora; de acolher como libertadora a dissolução das ideias políticas ou, como se diz, das ideologias. O mundo, esta nova grande Babel, necessita de pensamento e ideias gerais; trata-se de utilizar tanto instrumentos novos quanto instrumentos herdados, incorporados ao nosso tempo e a suas conexões, por certo separados dos contextos em que nasceram. Deste ponto de vista a morte do passado é sempre relativa, senão o mundo renasceria sempre do nada. Mas sabemos que não é assim, e isso vale também para as pessoas que deram uma contribuição sofrida para a história, seja qual tiver sido, e que só por isso merecem lembrança e mesmo reconhecimento, precisamente no momento de distanciamento em relação a elas e de crítica.

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Biagio De Giovanni é filósofo. Texto originalmente publicado em L’Unità, 20 out. 2015.






Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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