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Desenvolvimentismo: o retorno

Marcelo Ridenti - Janeiro 2009
 

Introdução

Ao enfrentar o desafio de tratar a questão do desenvolvimento, não o farei como economista, tampouco como sociólogo do desenvolvimento num sentido estrito. A partir da perspectiva de um estudioso da esquerda brasileira, especialmente dos anos 1960, tentarei dividir com os leitores um certo estranhamento acerca da retomada do tema do desenvolvimento na agenda social e política nos últimos anos, particularmente por parte de setores expressivos da esquerda brasileira, entendida num sentido amplo como o conjunto de forças sociais e políticas empenhadas em transformações que minorem as desigualdades sociais e econômicas.

Os dois principais candidatos para a próxima eleição presidencial - pelo que hoje se anuncia, ainda dois anos antes das eleições - são José Serra e Dilma Rousseff, o primeiro da oposição, a segunda do atual governo. Ambos desenvolvimentistas, formados nos debates econômicos, políticos e sociais dos anos 1960, como profissionais e também como militantes políticos, um da Ação Popular (AP), outra da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). É claro que esse tempo já vai longe e ambos mudaram, mas trazem as marcas da experiência passada. Não é à toa que eles representam as correntes ditas desenvolvimentistas no interior das forças aliadas em torno de seus respectivos partidos, cada qual a seu modo. Serra ficou conhecido, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, como principal expressão da corrente desenvolvimentista do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que dava o contraponto então minoritário a um governo acusado pelos opositores de neoliberal. Por sua vez, Dilma é a face dita desenvolvimentista do governo do petista Lula, que abriga também ministros liberais, que foram mais importantes em seu primeiro governo, mas perderam terreno no segundo.

Para tomar apenas um referencial mais à esquerda, o tema do desenvolvimento ressurgiu com força no livro-manifesto A opção brasileira, assinado por um conjunto de intelectuais militantes como o redator César Benjamin, Emir Sader, João Pedro Stedile, Plínio de Arruda Sampaio e outros, gente que hoje está no Partido dos Trabalhadores (PT) ou no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), mas se destaca sobretudo pela participação em movimentos sociais [1]. Os nomes desses autores também revelam conexões com as esquerdas dos anos 1960 (Benjamin, MR8; Emir, Polop-POC; Plínio - democracia cristã e, depois, Teologia da Libertação)

O livro, de 1998, foi um dos pioneiros na retomada do tema do desenvolvimento na agenda política e econômica nacional. Ele o fazia de uma perspectiva mais radical, mas dentro do mesmo universo das outras duas correntes citadas: a retomada do desenvolvimentismo. Basta ver a quem o livro foi dedicado: Celso Furtado, Ignácio Rangel, Caio Prado Jr., Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Milton Santos, todos expoentes dos debates sobre desenvolvimento e dependência nos anos 1960 e 1970. O livro aponta como "nossa fraqueza maior" aquilo que chama de "divórcio entre povo e nação" (p. 149). E aponta cinco compromissos para superar essa fraqueza, aqueles com: 1. a soberania; 2. a solidariedade; 3. o desenvolvimento; 4. a sustentabilidade; 5. a democracia ampliada (p. 150-1).

Pois bem, explicito agora o estranhamento diante dessa situação de retorno do desenvolvimentismo, levantando uma pergunta cuja resposta ficará apenas esboçada. Pergunta que proponho como provocação para refletir coletivamente: como ressurgiu das cinzas e até mesmo ganhou predominância no universo político nacional, particularmente entre as forças de esquerda, uma corrente de pensamento que se julgava parte da história passada, supostamente morta e enterrada nos anos 1960, o desenvolvimentismo? Essa pergunta tem um desdobramento que envolve a análise acadêmica, no âmbito das ciências sociais e econômicas, mas a ultrapassa no sentido da ação política: seria pertinente retomar o desenvolvimentismo, sem maiores reflexões sobre seus alcances e limites, tão debatidos nos últimos 40 anos?

Uma viagem ao passado

Vale a pena fazer uma viagem aos anos 1950 e 1960 para recuperar os termos do debate sobre o desenvolvimento nacional, que era o grande tema da economia política de então. Tema que envolve algumas palavras-chave: Estado, planejamento, industrialização, modernização, urbanização, povo, nação, superação da pobreza e do subdesenvolvimento. Para tomar a formulação sintética de um economista que estudou a história do pensamento no período, o desenvolvimentismo é "o projeto de superação do subdesenvolvimento através da industrialização integral, por meio do planejamento e decidido apoio estatal" [2].

Ricardo Bielschowsky divide o pensamento econômico de então em cinco correntes: 1. a neoliberal (contraponto ao desenvolvimentismo, ao enfatizar as forças do mercado para atingir a eficiência econômica - um economista expoente desse universo seria Eugênio Gudin), 2. o desenvolvimentismo do setor privado (Roberto Simonsen seria exemplar), 3. o desenvolvimentismo do setor público não-nacionalista (Roberto Campos tipificaria), 4. o desenvolvimentismo público nacionalista (Celso Furtado à frente), e 5. a corrente socialista, marcada especialmente pelas formulações do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Para seguir a proposta de abordar o desenvolvimentismo pelo seu viés de esquerda, é o caso de recuperar aqui sobretudo as duas últimas correntes, que seriam derrotadas com o golpe de 1964: o desenvolvimentismo nacionalista e o socialista, que prefiro chamar de comunista para atestar sua ligação fundamental com o PCB.

O desenvolvimentismo envolvia uma concepção dualista, ou uma "razão dualista" - para usar o termo do economista e sociólogo Francisco de Oliveira [3]. Concebia-se a sociedade brasileira cindida em duas: a moderna, em franco desenvolvimento, conviveria com um Brasil atrasado e subdesenvolvido, que precisaria ser superado. À esquerda, o dualismo era disseminado de formas diferenciadas por três matrizes institucionais: 1. o Instituto Superior de Estudos Brasileiro (Iseb), criado para dar suporte teórico ao governo de JK ; 2. a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), organismo das Nações Unidas; 3. o Partido Comunista Brasileiro, cuja teoria das duas etapas da revolução brasileira era incorporada difusa e diversamente por círculos expressivos de intelectuais.

As análises da Cepal apontavam o atraso da estrutura socioeconômica dos países da chamada "periferia", como os da América Latina, em relação ao "centro" econômico mundial, com a deterioração dos termos da troca - relação de intercâmbio entre produtos primários e industrializados desfavorável para os produtos primários produzidos na periferia. Daí a incapacidade de o mercado desenvolver as economias periféricas e a necessidade do Estado como centro racionalizador da economia, quer pelo planejamento, quer pelo financiamento. O Estado seria o indutor de uma industrialização para o mercado interno, constituindo economias nacionais sólidas e autônomas, com apoio do capital estrangeiro disposto a industrializar a periferia, aumentando a renda e a produtividade, em oposição ao imperialismo comercial e financeiro.

O Iseb, órgão ligado à Casa Civil da Presidência da República, foi um centro produtor de ideologias nacional-desenvolvimentistas diferenciadas, que tinham em comum apontar como contradição principal na sociedade brasileira o embate entre "nação" e "antinação". Elegia o "povo brasileiro" como principal agente da História - não qualquer classe em especial. Assim, um autor como Hélio Jaguaribe apostava no capitalismo autóctone na periferia ocidental. Alberto Guerreiro Ramos defendia que o pesquisador deve assumir o ponto de vista da nação, propondo uma ideologia do desenvolvimento e uma ideologia da sociologia nacional. Vieira Pinto apostava nas massas populares no comando do processo de desenvolvimento e dizia-se marxista, assim como alguns de seus jovens assessores. Por sua vez, o militar comunista Nelson Werneck Sodré não pretendia constituir ideologias nacionais, mas fazer ciência. Contudo, compreendia o nacionalismo como inscrito na realidade subdesenvolvida; nacionalismo seria "liberação", verdade histórica [4].

Na versão do PCB, especialmente a partir da "Declaração de março de 1958", haveria resquícios feudais ou semifeudais no campo, a serem removidos por uma revolução burguesa, nacional e democrática, que uniria todas as forças interessadas no progresso da nação e na ruptura com o subdesenvolvimento (a burguesia, o proletariado, setores das camadas médias e também os camponeses), contra as forças interessadas em manter o subdesenvolvimento brasileiro, a saber, o imperialismo e seus aliados internos, os latifundiários e setores das camadas médias próximos dos interesses multinacionais. A revolução socialista viria numa segunda etapa - bem próxima ou ainda muito distante, dependendo da interpretação de cada corrente partidária.

É conhecida a crítica de Caio Prado Jr. à posição do PCB herdada do VI Congresso da Internacional Comunista, realizado em Moscou em 1928, que propunha para os países coloniais e semicoloniais a revolução nacional e democrática, uma frente única antiimperialista e antifeudal [5]. No Congresso de 1960, o PCB reiterava a existência de duas contradições fundamentais que exigiam solução radical imediata, porém pacífica: 1) a nação contraposta ao imperialismo norte-americano e seus agentes internos; 2) as forças produtivas em desenvolvimento em contradição com o monopólio da terra (o que envolvia o conflito entre latifundiários e massas camponesas). O Brasil estaria assim na etapa da revolução antiimperialista, antifeudal, nacional e democrática. O partido reconhecia a contradição entre capital e trabalho, mas entendia que ela "não exige solução radical e completa na atual etapa da revolução" [6].

A crítica ao desenvolvimentismo

Esse tipo de análise aproximava na prática comunistas e nacionalistas, todos favoráveis a priorizar o desenvolvimento, com atuação decisiva do Estado no planejamento e no financiamento. Ele implicaria o silêncio sobre as lutas de classes e uma concepção do Estado acima delas, sendo o subdesenvolvimento visto como "ausência de capitalismo e não o seu resultado". Era o que afirmava nos anos 1980 o hoje (não por acaso) Ministro da Fazenda, Guido Mantega [7]. Ele apenas reiterava a crítica funda que se fez ao desenvolvimentismo em todas as suas variáveis a partir do final dos anos 1960.

Constatava-se que esse tipo de pensamento não dava conta satisfatoriamente das complexas relações entre as diversas frações da burguesia brasileira, os latifundiários, o capital internacional e o próprio Estado (incluindo aí as Forças Armadas), tampouco fazia uma análise convincente das classes despossuídas, que em geral sequer eram tratadas, sem contar uma versão considerada simplificadora da inserção do Brasil e dos países da chamada periferia na divisão internacional do trabalho. Evidenciava-se que as forças conservadoras e o "imperialismo" não eram entraves ao desenvolvimento capitalista no Brasil.

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto delinearam essa crítica nos anos 1960 [8]. Paul Singer [9], Maria da Conceição Tavares [10] e Francisco de Oliveira seriam outros expoentes que lapidaram tal pensamento já na década de 1970. Por exemplo, Francisco de Oliveira sintetizava a sua maneira a (auto)crítica de esquerda ao desenvolvimentismo: 

toda a questão do desenvolvimento foi vista sob o ângulo das relações externas, e o problema transformou-se assim em uma oposição entre nações, passando despercebido o fato de que, antes de oposição entre nações, o desenvolvimento ou o crescimento é um problema que diz respeito à oposição entre classes sociais internas. [...o desenvolvimentismo] cumprindo uma importante função ideológica para marginalizar perguntas do tipo ‘a quem serve o desenvolvimento econômico capitalista no Brasil’? [11].

A crítica prosseguiria pelos anos 1980. Por exemplo, em O capitalismo tardio, João Manuel Cardoso de Mello afirmava que "a problemática cepalina é a problemática da industrialização nacional, a partir de uma situação periférica". Propunha em seu lugar uma nova "tarefa - a de repensar a História latino-americana como formação e desenvolvimento do modo de produção capitalista" [12].

Independentemente das críticas, não se pode negar que - sobretudo no início dos anos 1960 - o avanço das teses desenvolvimentistas de nacionalistas e comunistas mobilizara trabalhadores urbanos e rurais, além de setores significativos das classes médias, sobretudo estudantes, intelectuais e artistas, como se evidencia na Canção do subdesenvolvido, a mais célebre do CPC da UNE, composta por Carlos Lyra e Chico de Assis [13].

No pós-1964, por um certo período, predominou um tipo de interpretação tributária do desenvolvimentismo nacionalista de Celso Furtado, especialmente sua obra Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina, publicada pela editora Civilização Brasileira em 1966 [14]. O crescimento da economia brasileira estaria bloqueado, num processo de estagnação insuperável dentro do modelo econômico da ditadura, excludente da maioria da população. A saída para o capitalismo no Brasil seria seu desenvolvimento nacional independente, com a ampliação do mercado pela incorporação das massas populares secularmente excluídas, projeto que fora derrotado em 1964.

À revelia da Furtado, esse tipo de interpretação teve conseqüências inesperadas: se não havia escapatória dentro da ordem da ditadura para a crise econômica vivida pela sociedade brasileira, condenada à estagnação, seria preciso derrubar a ditadura para retomar o desenvolvimento, fosse em bases capitalistas ou até mesmo socialistas. A esquerda armada nutriu-se particularmente da interpretação de Furtado, buscando forjar os fatores subjetivos para uma revolução, pois as circunstâncias objetivas seriam favoráveis com a estagnação econômica [15]. Para ficar num só exemplo, tome-se o "Programa" da VAR-Palmares, segundo o qual:

o controle do capitalismo brasileiro pelo capital imperialista condena o Brasil a permanecer nos marcos da estagnação e do subdesenvolvimento. [...] na atual situação histórica, o capitalismo mostra-se claramente incapaz de desenvolver as forças produtivas do país [16].

Revela-se nesse texto um desdobramento socialista do desenvolvimentismo que foi teorizado por autores como Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Theotônio dos Santos, que não viam alternativas de crescimento para os países subdesenvolvidos dentro do capitalismo, sistema que nos países dependentes só poderia ser mantido pela força bruta de ditaduras.

O chamado milagre econômico promovido pela ditadura militar e civil logo desmentiria as teses de estagnação: evidenciava-se a possibilidade de desenvolvimento capitalista no Brasil e na América Latina, embora dependente e associado ao capital internacional. Economistas e sociólogos de esquerda, em geral vindos de experiências no interior do desenvolvimentismo, viriam a dar conta teoricamente desse processo de mudança na economia e na sociedade. O suposto atraso seria estruturalmente indissociável do progresso, o arcaico inseparável do moderno, o desenvolvimento conviveria com o subdesenvolvimento.

O retorno

A ditadura militar e civil levou adiante um modelo autoritário de modernização que promoveu um desenvolvimento concentrador de riquezas, com arrocho salarial e restrições às liberdades civis. Era um tempo em que prevaleceu o mote "segurança e desenvolvimento". Especialmente no governo Geisel houve planejamento e intervenção estatal que faziam lembrar aspectos do desenvolvimentismo das décadas anteriores. O tema do desenvolvimento ganhava assim um contorno de direita que - somado às (auto)críticas ao desenvolvimentismo da esquerda nacionalista e comunista - deixava o desenvolvimento em segundo plano no pensamento de esquerda, às voltas sobretudo com dois temas: (re)democratização da sociedade e afirmação da classe trabalhadora.

Grosso modo, pode-se dizer que alguns setores da esquerda - em geral congregados na legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) após 1980 - privilegiavam o retorno à normalidade democrática institucional, enquanto outros uniam-se para formar um partido novo, cuja missão principal seria organizar a classe trabalhadora, constituindo o PT, com base no tripé entre o novo sindicalismo, as comunidades eclesiais de base da igreja católica e remanescentes de partidos e movimentos de esquerda, todos ligados aos movimentos sociais insurgentes, especialmente nos bairros pobres das grandes cidades.

Alguns dos célebres economistas e cientistas sociais que elaboraram a crítica de esquerda ao desenvolvimentismo ajudaram a construir o PT - como foi o caso de Weffort, Oliveira, Singer e outros. Por sua vez, alguns dos críticos do desenvolvimentismo ficaram no PMDB, depois abandonado para se fundar o PSDB, caso de Fernando Henrique, Serra, Bresser-Pereira e outros mais.

Se, no decorrer da trajetória do PT, na medida em que o partido se institucionalizava, a ideologia da organização da classe operária cedia lugar para a retomada das idéias de povo e nação, por sua vez os antigos críticos de esquerda do desenvolvimentismo agrupados no PSDB sensibilizavam-se com os novos ventos da economia internacional, em que prevalecia o pensamento antípoda do desenvolvimentismo, privilegiando os mecanismos de mercado para regular a economia. Assim, os dois governos de FHC (1995-1998 e 1999-2002), decididos a encerrar a chamada "era Vargas", promoveram uma expressiva privatização econômica.

Não obstante, o esgarçamento do neoliberalismo já era perceptível ao menos desde o final dos anos 1990 em escala internacional, o que daria espaço para novas elaborações da presença do Estado no planejamento da economia capitalista.

O principal aspecto da crítica de esquerda ao desenvolvimentismo foi o de que ele encobria as contradições de classe, impedindo assim que se constituísse uma classe trabalhadora autônoma e consciente de seus interesses, que acabavam diluídos na proposta de desenvolvimento nacional. Ora, o fim do chamado socialismo real no Leste europeu, a reestruturação produtiva, a mudança na organização do trabalho, os altos níveis de desemprego, certa reconstituição e reinvenção das formas de submissão do trabalho ao capital, que alguns chamariam de crise da sociedade do trabalho, acompanhada da consolidação institucional da democracia e da crescente dificuldade de organização das classes trabalhadoras, tudo isso tende a deixar em segundo plano a questão da emancipação do proletariado e da possibilidade de socialismo, pelo menos de imediato. Assim, em sintonia também com os impasses em que o neoliberalismo colocou a economia mundial, é compreensível que o pensamento e a ação política de esquerda retomem o tema do desenvolvimento, fortemente vinculado ao planejamento e à iniciativa econômica estatal.

Então, uma primeira resposta à pergunta formulada no princípio da exposição (como ressurgiu a corrente de pensamento desenvolvimentista, que se julgava parte da história passada?) passa por esses dois pontos: a crise do neoliberalismo e a crise das esquerdas. As dificuldades do mercado de um lado, e de outro os impasses na viabilização de uma alternativa socialista, com as dificuldades de organização dos despossuídos, trazem de novo propostas (diferenciadas) sobre a atuação do Estado na retomada do desenvolvimento nos marcos do capitalismo [17].

São várias as possibilidades econômicas e políticas para um desenvolvimentismo remodelado. Não vou avançar mais e dizer quais são os caminhos que me parecem mais adequados, pois não seria o caso de forçar demais o limite acadêmico do debate, fazendo propostas de ação política. As possibilidades desenvolvimentistas podem ser bem diversas, tanto que são levantadas por diferentes partidos e forças sociais. Contudo, sejam quais forem essas propostas, parece que não seria sábio retomar o desenvolvimentismo nas bases em que se formulou nos anos 1950 e 1960. Sejam quais forem as retomadas desse pensamento, indissociável da ação, é preciso não esquecer as críticas clássicas a ele e indagar-se: a quem serve o desenvolvimento? A que grupos e classes sociais? Qual seu custo em termos ambientais? O risco de ignorar questões como essas seria repetir os erros do velho desenvolvimentismo, sem necessariamente reviver seus acertos.

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Marcelo Ridenti é professor titular de Sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e pesquisador do CNPq. Texto apresentado na mesa "Desenvolvimento", durante o 36º Encontro Nacional de Economia da Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec). Salvador, 9 a 12 de dezembro de 2008. Texto também publicado na Revista Espaço Acadêmico.

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Notas

[1] César Benjamin et alii. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.

[2] Ricardo Bielschowsky. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p. 33.

[3] Francisco de Oliveira. "Economia brasileira: crítica à razão dualista". São Paulo, Estudos Cebrap (2), 1972. [reeditado por Boitempo: São Paulo, 2003]

[4] Ver, entre outros: Caio Navarro de Toledo. ISEB: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977. Do mesmo autor. "Intelectuais do ISEB, esquerda e marxismo". In: João Quartim de Moraes (Org.). História do marxismo no Brasil, v. III. Teorias, interpretações. Campinas: Ed. da Unicamp, 1998.

[5] Cf. Caio Prado Jr. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.

[6] Resolução Política do V Congresso do PCB, de 1960. In: Documentos do PCB. Lisboa: Avante, 1976, p. 9-42.

[7] Guido Mantega. A economia política brasileira. 3. ed. São Paulo/Petrópolis: Polis/Vozes, 1985.

[8] Fernando H. Cardoso; Enzo Faletto. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

[9] Paul Singer. Desenvolvimento e crise. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

[10] Maria da Conceição Tavares. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

[11] Francisco de Oliveira, op. cit., 1972 (2003: p. 12-13) A crítica à razão dualista não deixa de ser também, em parte, uma autocrítica: Oliveira vinculara-se ao projeto desenvolvimentista de Celso Furtado nos anos 1960. Por exemplo - num artigo avaliando a política econômica do governo Castelo Branco, para o primeiro número da Revista Civilização Brasileira -, Oliveira denunciava, em tom típico do nacionalismo terceiro-mundista da época, "o caráter aventureiro e antinacional desse Plano de Governo", conclamando para combatê-lo "todas as forças interessadas no desenvolvimento autônomo da Nação". Parece que Oliveira ainda compartilhava da interpretação de Furtado na época, sobre a estagnação da economia brasileira sob a ditadura. Francisco de Oliveira, "O plano de ação econômica do governo Castelo Branco: por que não terá êxito". Revista Civilização Brasileira, n. 1, 1965, p. 128.

[12] João Manuel Cardoso de Mello. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 20 e 27.

[13] Desenvolvi uma análise da produção cultural do período, fortemente imbricada à ideologia desenvolvimentista, em: Marcelo Ridenti. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000. Eis a "Canção do subdesenvolvido", longa letra de Chico de Assis para a música de Carlos Lyra, gravada em 1962 no disco do Centro Popular da Cultura intitulado O povo canta: "O Brasil é uma terra de amores/ Alcatifada de flores/ Onde a brisa fala amores/Em lindas tardes de abril/Correi pras bandas do sul/ Debaixo de um céu de anil/Encontrareis um gigante deitado/ Santa Cruz, hoje o Brasil/ Mas um dia o gigante despertou/ Deixou de ser gigante adormecido/ E dele um anão se levantou/ Era um país subdesenvolvido/ Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc. (refrão)/ E passado o período colonial/ O país se transformou num bom quintal/ E depois de dadas as contas a Portugal/ Instaurou-se o latifúndio nacional, ai!/ Subdesenvolvido, subdesenvolvido (refrão)/ Então o bravo povo brasileiro/ Em perigos e guerras esforçado/ Mais que prometia a força humana/ Plantou couve, colheu banana./ Bravo esforço do povo brasileiro/ Que importou capital lá do estrangeiro/ Subdesenvolvido, subdesenvolvido... etc. (refrão)/ As nações do mundo para cá mandaram/ Os seus capitais desinteressados/ As nações, coitadas, queriam ajudar/ E aquela ilha velha ajudou também/ País de pouca terra, só nos fez um bem/ Um grande bem, um 'big' bem, bom, bem, bom/ Nos deu luz, ah! Tirou ouro, oh!/ Nos deu trem, ahhh! Mas levou o nosso tesouro/ ooooh! Subdesenvolvido, subdesenvolvido... etc. (refrão)/ Houve um tempo em que se acabaram/ Os tempos duros e sofridos/ Pois um dia aqui chegaram os capitais dos..Estados Unidos/ País amigo desenvolvido/ País amigo, país amigo/ Amigo do subdesenvolvido/ País amigo, país amigo/ E nossos amigos americanos/ Com muita fé, com muita fé/ Nos deram dinheiro e nós plantamos/ Nada mais que café/ E uma terra em que plantando tudo dá/ Mas eles resolveram que a gente ia plantar/ Nada mais que café/ Bento que bento é o frade - frade!/ Na boca do forno - forno!/ Tirai um bolo - bolo!/ Fareis tudo que seu mestre mandar?/ Faremos todos, faremos todos.../E começaram a nos vender e a nos comprar/ Comprar borracha - vender pneu/ Comprar madeira - vender navio/ Pra nossa vela - vender pavio/ Só mandaram o que sobrou de lá/ Matéria plástica,/ Que entusiástica/ Que coisa elástica,/ Que coisa drástica/ Rock-balada, filme de mocinho/ Ar refrigerado e chiclet de bola/ E coca-cola! Oh.../ Subdesenvolvido, subdesenvolvido... etc. (refrão)/ O povo brasileiro tem personalidade/ Não se impressiona com facilidade/ Embora pense como desenvolvido/ Embora dance como desenvolvido/ Embora cante como desenvolvido/ Lá, lá, la, la, la, la/ Êh, êh, meu boi/ Êh, roçado bão/ O meior do meu sertão/ Comeram o boi.../ Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc.(refrão)/ Tem personalidade!/ Não se impressiona com facilidade/ Embora pense, dance e cante como desenvolvido/ O povo brasileiro/ Não come como desenvolvido/ Não bebe como desenvolvido/ Vive menos, sofre mais/ Isso é muito importante/ Muito mais do que importante/ Pois difere os brasileiros dos demais/ Pela... personalidade, personalidade/ Personalidade sem igual/ Porém... subdesenvolvida, subdesenvolvida/ E essa é que é a vida nacional!".

[14] Celso Furtado. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

[15] Cf. Jacob Gorender. Combate nas trevas - a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 73 s.; Marcelo Ridenti. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Ed. Unesp, 1993.

[16] In: REIS FILHO, Daniel Aarão; SÁ, Jair Ferreira de Sá (Orgs.). Imagens da revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, p. 253, 256.

[17] Vários paradoxos marcam as sociedades contemporâneas, como aquele apontado por Francisco de Oliveira: quanto mais o capitalismo se desenvolve historicamente, superando ou subordinando formas de produção precedentes, ficando portanto mais transparente, menos evidente fica o movimento das classes que o constituem, tornando-se mais complexo seu reconhecimento. Há pelo menos um outro paradoxo que é, em parte, um desdobramento desse: nos tempos passados em que o capitalismo contemporâneo ainda não se consolidara na sociedade brasileira, as esquerdas tendiam a apresentar propostas ofensivas, por vezes revolucionárias. Hoje, quando o capitalismo está plenamente estabelecido, predominam as propostas de esquerda defensivas e institucionais, em consonância com a opacidade e a complexidade da estrutura de classes, que dificultam sua organização política e até mesmo sindical. Francisco de Oliveira. O elo perdido - classe e identidade de classe. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 10.



Fonte: Revista Espaço Acadêmico & Gramsci e o Brasil.

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