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A ciência e a fronteira

Lúcio Flávio Pinto - Dezembro 2007
 

Entre os dias 3 e 4 de dezembro será realizado na Universidade Federal do Pará o I Seminário de Relações internacionais e Defesa na Amazônia. O tema é "instigante", como se diz na academia. Demorou a ser tratado, mas finalmente algumas barreiras e preconceitos foram superados. Será possível inaugurar a abordagem de temas que antes eram considerados proibidos, pelos que davam ordens, ou desinteressantes, pelos que cumpriam as ordens sem, às vezes, ter consciência dessa indiferença induzida.

A promoção é do Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia e a realização é de várias instituições universitárias e de certo Projeto Consórcio Forças Armadas Século XXI, com o apoio de vários outros órgãos. O temário é provocativo: democracia e forças armadas na Pan-Amazônia; relações internacionais: território e fronteira na Pan-Amazônia; conflito e cooperação na Pan-Amazônia; a Amazônia no quadro regional e internacional de segurança e defesa; e a Amazônia e a agenda internacional ambiental.

Os apetitosos temas serão tratados em mesas-redondas, com um coordenador e vários debatedores. Provavelmente não haverá tempo para as perguntas do auditório, tantos serão aqueles que estarão na mesa. Alguns deles são nomes já conhecidos, mas nem todos conhecidos por sua dedicação ao tema em debate no seminário.

A primeira surpresa, para mim, ficou por conta de descobrir que determinado intelectual, notório em outras áreas, agora é também especialista em defesa - e em defesa da e na Amazônia. A segunda surpresa foi descobrir que há tantos especialistas em Amazônia e em defesa da Amazônia, que eu desconhecia. Certamente isso se deve a um pecado, mortal para um jornalista: estou desinformado sobre o estado da arte da matéria; completamente desinformado.

Talvez, porém, quem sabe, meu pecado possa ser desqualificado para delito venial: essa vasta produção acadêmica sobre temas ligados às fronteiras da Amazônia, à sua defesa e a uma concepção operacional em escala pan-amazônica provavelmente ainda não transpôs, com suficiente fluidez, os muros chineses da academia, extensos e elevados para poder proteger nossos acadêmicos da invasão de bárbaros, que, lidando com o dia-a-dia, com problemas concretos, não têm podido ter acesso a essa fonte substancial de informações e esclarecimento.

Sim, porque consultando a relação de assuntos e de expositores do seminário inaugural constato que poucos deles já apareceram em entrevistas na imprensa ou escrevendo artigos para periódicos de massa, como jornais e revistas de informação. Questões sobre as quais irão tratar no encontro acadêmico estão na pauta permanente da imprensa, freqüentemente tratados com superficialidade ou irresponsabilidade. A função dos especialistas, sobretudo os que atuam em instituições públicas, é intervir nos debates públicos para contribuir com sua ciência, evitando juízos de valor fundados no empirismo, no senso comum, no "achismo".

Talvez os nossos especialistas em defesa na (e da) Amazônia não tenham sido procurados pelos jornalistas para avaliar e opinar sobre os acontecimentos do dia-a-dia da região. Mas duvido que os jornais deixassem de aproveitar artigos bem escritos que fossem enviados às redações, como uma forma de suprir as deficiências da imprensa, que funciona sob enorme pressão para produzir às pressas. Assim, o posicionamento da opinião pública poderia ser firmado com maior discernimento. Mas com esse primeiro seminário certamente as partes serão apresentadas umas às outras e a partir de agora haverá mais luzes sobre temas até aqui tratados nebulosamente, em função das limitações do método usual entre os não-especialistas, do ensaio e erro. Tomara.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006).



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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